O Mito do Normal Também Mora no Trabalho

Enquanto fingimos que está tudo bem, trabalhadores adoecem sem direito a descanso, saúde ou dignidade.

Aconteceu dia 29 de março de 2025 a 1ª Conferência Municipal de Saúde do Trabalhador e da trabalhadora, em Cáceres-MT. Eu poderia contar aqui sobre os debates, os dados, as propostas apresentadas — mas, para ser honesta, só consegui assistir uma fala. Mesmo assim, foi suficiente para acender uma pergunta que me persegue há tempos: por que fingimos que está tudo normal quando, na verdade, falta tudo?

A verdade é que vivemos cercados por uma normalidade inventada, principalmente quando o assunto é trabalho. Fingimos que é normal acordar cansado todos os dias, que é normal viver no limite, que é normal trabalhar sem pausa, sem tempo, sem salário justo, sem respeito. Fingimos que o trabalhador(a) não adoece, não morre de cansaço, não carrega nos ombros a precariedade de um sistema que nunca pensou nele.

Enquanto isso, seguimos produzindo como se fosse possível sustentar o mundo sem sustentar quem trabalha.

O adoecimento do trabalhador não é acidente. É consequência direta de um modelo que exige produtividade sem oferecer dignidade. Que cobra resultados, mas não garante salário que pague o básico, folga para respirar ou tempo para cuidar da própria saúde. Quem trabalha como contratado, por exemplo, só recebe pelas horas que está de pé — se precisa parar, adoecer ou descansar, perde renda. Como esperar que alguém cuide de si nesse cenário?

É urgente que passemos a falar não só do desgaste físico, mas também do desgaste emocional de quem vive nesse ciclo. E mais urgente ainda é que nos organizemos para cobrar direitos que respeitem a vida de quem trabalha.

Precisamos exigir, por exemplo, que o acesso a consultas médicas aconteça também fora do horário comercial, para que não seja necessário escolher entre cuidar da saúde ou manter o emprego. Precisamos defender condições de trabalho que respeitem pausas, folgas reais, jornadas humanas.

E mais: seria essencial que espaços como a Câmara Municipal abrissem, pelo menos a cada quinze dias, em horários acessíveis aos trabalhadores, para que pudessem fazer suas reivindicações, dizer onde dói, pedir o que lhes é de direito. Porque políticas públicas só nascem quando a voz de quem trabalha encontra lugar para ecoar.

A saúde do trabalhador(a) começa quando paramos de fingir que tudo isso é normal.
E começa, também, quando entendemos que não basta resistir — é preciso organizar-se para exigir o que nunca deveria ter sido negado.

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Zenil Zenil Josefa da Silva
Zenil Zenil Josefa da Silva
1 mês atrás

Falou tudo. O trabalhador ainda precisa ter mais de um emprego, ou um “bico” para complementar o baixo salário.