Quem Cuida de Quem Cuida?

Participei da Audiência Pública convocada pela APAAC – Associação de Pais e Amigos dos Autistas de Cáceres – no dia 06 de novembro de 2025, na Câmara Municipal.

Falar sobre o cuidado de quem cuida não é novidade para mim. Faço isso há anos. Mas naquele dia, as palavras vieram com lágrimas e pausas que diziam mais que discursos inteiros. Foram relatos de mães atravessadas pela exaustão e pelo abandono. Mães que cuidam sozinhas, sem rede, sem descanso, sem trégua. Porque mãe não abandona filho.

Quando uma mãe “abandona”, é porque já adoeceu. Ou porque o desespero ultrapassou o que é humanamente possível de suportar. E quando isso acontece, os que estão à sua volta — família, amigos, sociedade — olham com espanto. Como se fosse a primeira vez.

Mas será que alguém imagina quantas vezes essa mãe já foi ao PSF? À Secretaria de Saúde? À Câmara Municipal? Quantas vezes implorou por ajuda a um vereador, a um vizinho, a uma amiga? Quantas vezes pediu só alguns minutos para respirar?

As mães que tomam a palavra, que sobem ao púlpito, que se expõem, já ultrapassaram o medo do julgamento. Elas não pedem mais permissão. Mas hoje, eu escrevo por aquelas que não conseguem falar.

Falo pelas que choram escondido no banheiro para não acordar o filho.

Pelas que gritam no travesseiro com a boca enterrada no lençol.

Pelas que entram em reuniões públicas com a garganta seca, mas que saem caladas — por medo, por vergonha, por cansaço.

Essas mães também estão na luta. Só ainda não encontraram um lugar seguro para a própria voz. Talvez por já terem sido interrompidas demais. Ou desacreditadas demais. Ou por acharem que, se falarem, serão vistas como fracas — ou histéricas.

Falo por elas porque sei o que significa calar-se para manter a casa em pé.

Por isso, ao mesmo tempo em que reforçamos o que queremos — e precisamos:

  • Atendimento digno e humanizado nas escolas.
  • Profissionais capacitados, que nos escutem sem pressa.
  • Fim das filas no CER.
  • CAMPI aqui em Cáceres.
  • Equoterapia acessível.
  • Oportunidades reais para nossos filhos viverem com dignidade — na cultura, no lazer, no trabalho.

Também dizemos, com clareza: queremos ser cuidadas. Porque cuidar de um filho atípico exige mais do que amor. Exige corpo, mente e alma em estado de prontidão permanente. Exige saúde. E saúde não se sustenta no descaso.

Exigimos que os laudos e as terapias aconteçam na hora certa. Que os estímulos cheguem quando o cérebro dos nossos filhos ainda está em plena plasticidade. Isso não é só humano. É estratégico. A longo prazo, será muito mais lucrativo para o Estado e para as famílias.

E, por fim, deixo aqui a pergunta que habita — sem descanso — a cabeça de cada mãe atípica, todos os dias:

Se eu morrer hoje… quem vai cuidar do meu filho?

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Joziane Oliveira
Joziane Oliveira
4 dias atrás

Como sempre Cicera, os seus textos sempre tocam a alma por traduzir a nossa realidade em palavras que nós não conseguimos expressar. Parabéns.

Maria José Soares Nicodemos Bruzzon
Maria José Soares Nicodemos Bruzzon
4 dias atrás

Entendo profundamente sua preocupação, seus questionamentos… pois tenho um sobrinho que tem um filho autista de 8 anos de idade e esse cuidado com certeza é uma responsabilidade que não pode recair apenas sobre às famílias. Tanto o Estado como a sociedade precisam garantir que, mesmos quando os pais não estiverem mais presentes, essas crianças e adultos tenham proteção, acolhimento e dignidade. Nesse contexto seu questionamento é pertinente pois reforça o compromisso em ampliar as políticas públicas para “essas pessoas “, fortalecendo a rede de cuidados e apoio permanente às famílias. Parabéns pela sua indagação, e que Deus abençoe todos para que aconteçam de fato as devidas providências.