A torneira pinga.
Plic. Plic. Plic.
Um som miúdo, teimoso — lembra que o dia começou.
Na pia, a tampa do iogurte colada feito selo.
Passo a unha, puxo devagar, jogo fora.
O azulejo devolve um rosto cansado. Mas desperto.
Lá fora, o sol tenta atravessar a cortina.
Na área, roupas espalhadas:
uma meia sozinha, uma camiseta esquecida,
rastros de uma pressa que nunca se apressa.
Respiro.
Chamo.
— Pedro, a roupa suja!
Nada.
Chamo outra vez.
A voz mistura-se ao ventilador e à risada do vizinho.
Pedro surge.
Cabelo rebelde. Camiseta do avesso.
Olhar de quem ainda sonha.
— Mãe, onde tá meu caderno verde?
— Embaixo dos papéis na mesa.
Ele volta, tropeça no tapete.
Observo. Já sei o final da cena.
Quando retorna, ajeito-lhe a gola.
— E a roupa suja?
— Esqueci.
— Quantas vezes já te pedi?
Pedro pensa. Conta nos dedos.
— Duas.
Respiro fundo.
Duas.
De um pedido diário.
Deus, às vezes, deve rir —
desse amor que insiste, mesmo cansado.
Pedro corre até a área.
Pisa numa meia molhada. Recolhe roupas.
Derruba metade.
Eu recolho. Dobro.
Aliso o tecido ainda morno do sol.
O vento entra.
Traz o cheiro do café.
E a lembrança: a vida é isso —
repetição, tropeço, ternura.
E pequenas tragédias domésticas:
metros de fio dental num só dia,
sabonetes consumidos em um banho,
pasta de dente virando cola,
comida preferida escondida
para evitar o excesso.
Ele volta.
Mais um papel no chão.
Mais um copo sujo esquecido na mesa.
Tento falar baixo.
Tento outra vez.
A voz sobe — mais do que eu queria.
Ele me olha.
O susto passa.
O olhar dele não exige explicações —
só fica ali, esperando que eu volte.
Eu me aproximo.
Gostaria de abraçá-lo.
Mas: há gestos que não se forçam.
Fico só no movimento contido das mãos —
quase um afago, quase uma oração.
Deus coloca o chão.
E penso:
Será nos grandes milagres
que mais se precisa de fé,
ou nesses pequenos instantes —
em que uma mãe, exausta,
segue caminhando,
sem saber se pisa firme
ou apenas acredita?


Penso que precisamos dos grandes milagres também, mas o que mais faz parte do nosso cotidiano são esses pequenos milagres que vivemos todos os dias. O principal deles é acordar e perceber a vida e é isso que Pedro vive… todos os dias, quando acorda, quando ri, quando espera pelo acolhimento da mãe, que mesmo cansada, insiste, persiste e ri junto com ele.
Nós mães… somos milagre Cícera. Seja de sangue ou de coração, alguns filhos têm a infelicidade de ter mães “desistentes”, mas na grande maioria por mais que nossa caminhada seja difícil de formas diferentes, somos milagre na vida de nossos filhos.