Quando se fala em autismo, a mídia e as redes sociais costumam destacar as histórias “inspiradoras”: jovens com habilidades extraordinárias para cálculos, música, programação ou memória fotográfica. São narrativas bonitas, mas perigosas — porque criam a falsa impressão de que todo autista pode, ou deveria, ter um talento raro pronto para o mercado de trabalho.
A realidade é outra.
Para cada autista com uma habilidade especial valorizada, existem muitos outros que permanecem invisíveis. Entre eles, o autista de suporte moderado — aquele que não vive de forma totalmente independente, que precisa de apoio constante para se organizar, se deslocar, comunicar-se em contextos mais complexos.
Este autista não é chamado para as vagas que buscam o “diferente genial”.
Não se encaixa nos programas que apostam na “neurodiversidade produtiva” como vitrine.
Muitas vezes, também não consegue passar pelas barreiras burocráticas para acessar o Benefício de Prestação Continuada (BPC) — porque o laudo não “prova” incapacidade absoluta, ou porque o sistema não entende que limitação funcional não é sinónimo de inutilidade.
Resultado: sobra.
Sobra no mercado de trabalho.
Sobra nas políticas públicas.
Sobra até na narrativa social sobre o autismo, que prefere falar das exceções brilhantes.
Mas ele não sobra porque tem menos valor — sobra porque o mundo ainda não se dispôs a incluir quem precisa de suporte contínuo, sem transformar isso em peso ou caridade.
O que falta não é talento — é espaço
O autista moderado não é “menos capaz” — é capaz de outras formas, em outros tempos, com outras adaptações. A sociedade é que ainda não se dispôs a criar esses espaços e reconhecer essas formas.
Com emprego adaptado, transporte acessível, apoio social de verdade, capacitação adequada e acompanhamento profissional contínuo, esse autista pode trabalhar, contribuir e transformar a própria vida.
Propostas para criar vagas reais
- Tarefas segmentadas e ambientes previsíveis
- Organização de prateleiras em supermercados e farmácias.
- Separação e etiquetagem de materiais em armazéns ou bibliotecas.
- Montagem simples de kits de higiene, alimentação ou brindes para programas sociais e eventos.
- Mentoria de suporte contínuo
- Profissional intermediário que acompanhe o trabalhador e ajude a resolver obstáculos diários no local de trabalho.
- Adaptação de jornadas e processos
- Horários flexíveis ou carga horária reduzida.
- Treinamentos curtos, repetitivos e visuais para cada função.
- Capacitação funcional e profissional
- Programas de aprendizagem para tarefas do dia a dia (arrumar a cama, cortar legumes, organização doméstica) como base para a autonomia.
- Oficinas de habilidades específicas para o mercado de trabalho, como manuseio de ferramentas simples, atendimento básico ao cliente, rotinas de estoque e apoio administrativo.
- Cursos modulares, com avaliação prática e certificação, que preparem para funções concretas.
- Incentivos fiscais e reconhecimento social
- Benefícios para empresas que criem vagas adaptadas.
- Selo de inclusão para negócios que mantenham programas de empregabilidade para autistas moderados.
- Capacitação da equipe receptora
- Treinar gestores e colegas para interações respeitosas, realistas e sem expectativas irreais de “super habilidades”.
Estrutura e coração
Políticas públicas constroem as portas. Sensibilidade é o que garante que elas se abram.
Leis e programas podem criar vagas e incentivos, mas é a postura das pessoas — gestores, colegas, vizinhos, familiares — que decide se o autista moderado será realmente incluído ou apenas tolerado. Sensibilidade, aqui, não é pena: é a capacidade de enxergar valor onde a pressa e o preconceito costumam ver limitação. É oferecer tempo, escuta e espaço para que cada potencial se revele.
Para fechar
Incluir não é celebrar apenas o raro.
Incluir é abrir espaço para todos.
Enquanto a inclusão seguir sendo privilégio de poucos, estaremos a confundir vitrine com transformação. E o verdadeiro progresso só virá quando cada autista — com ou sem talentos extraordinários — encontrar no trabalho não um favor, mas o seu lugar.


Exatamente isso, ótima reflexão.
Concordo 100% com vc querida, sigamos nessa luta!..