Esta semana ouvi uma mãe que falava do quanto estava exausta dos cuidados com o filho autista. Também ouvi uma colega contar o extremo cansaço ao cuidar de sua mãe acamada a longa data. A mesma, na hora do banho ou de trocar a roupa, como uma forma de resistência, grita e diz que a filha está lhe batendo. Ela afirmou angustiada que não aguenta mais. E se não fosse a mãe dela, pararia de cuidar e iria embora.
Compreendo a fala das duas, e sei exatamente o que é estar em qualquer um desses dois lugares. Pois de vez em quando, tenho vontade de ser o ”Visconde Partido ao Meio”, personagem de Ítalo Calvino. Pois assim metade de mim cuidaria do meu filho e a outra metade de mim cuidaria de meu pai. Ou talvez um clone de Cícera.
Mas como nenhuma dessas possibilidades são viáveis, e também pensando na mãe e na minha colega, que foram corajosas, ao exporem suas vulnerabilidades, sendo verdadeiras. A pergunta que reverbera em minha cabeça é: Ao cuidar de outra pessoa o que posso aprender e trazer para a minha vida prática?
A fala dessas duas mulheres, além de ser um pedido de socorro, também é a exposição de uma fragilidade. Imaginem o tamanho da vulnerabilidade que elas estão expostas, pois em nossa cultura quando dizemos que não damos conta de fazer alguma coisa, somos julgados, às vezes duramente.
Entretanto é essa vulnerabilidade, que nos permite sermos sensíveis e pacientes ao cuidarmos do outro. Mas também ficamos cansadas, nos sentimos sem forças e precisamos ser cuidadas.
Para nos recompormos, às vezes a gente precisa apenas que alguém nos ouça, quase sempre precisamos de um boa noite de sono, de um dia de folga, ou de uma semana caminhando na areia, observando belas paisagens e embaladas pelo som do mar.
Meu filho ouve músicas religiosas o dia inteiro, e bem alto. Então tenho fome de silêncio.
Outra possibilidade, reunir toda a família. Vai dar ruim? Sim! Certamente… Com a família reunida, exponha todas as suas vulnerabilidades e dificuldades de continuar cuidando, em tempo integral.
Com todos reunidos, que tal montar uma escala para cada membro da família cuidar à noite um dia da semana. Caso seja uma família grande com muitos filhos, netos e bisnetos, essa poderia ser uma forma de diluir os cuidados e a pessoa que está à frente, não ficar tão desgastada. Os banhos também podem ser negociados. Assim como as consultas médicas. Os finais de semana e os feriados.
Culturalmente, quando quem cuida é algum familiar, geralmente mora na mesma casa. Aos poucos as visitas à pessoa idosa vão se rareando, os filhos criam novos hábitos, novos compromissos. E sempre estão todos com suas agendas recheadas de atividades, via de regra, urgentes. E o cuidador? Ah! Esse já não tem mais direito a ter agenda, especialmente se for para questões pessoais.
Para transformarmos essa realidade, faz-se necessário que outras pessoas em situações semelhantes, tenham a coragem de serem verdadeiras e exporem suas vulnerabilidades.
São elas, nossas vulnerabilidades, que nos fazem seres humanos perfeitos.
Como cuidador, quais as vulnerabilidades que você está experimentando agora?
Faça uma lista, e grite. Tão alto, que acordará o vento. Ele levará o seu lamento. E talvez ele traga de volta num suave sussurro um…
─ ‘Posso ajudar!’
Na maioria das vezes, esse sussurro não volta, mas é necessário continuar tentando… pela própria sanidade mental.
Essa é a realidade minha amiga! Infelizmente. São poucas as famílias que amorosamente fazem um cuidar compartilhado!
Eu tenho a elegeria de ter essa família. Meu pai ficou acamado por 2 anos e meio… trouxe-o juntamente com minha mãe para morar comigo. Reinalda fazia barba e curativos diariamente. Os netos Jean e Ivan cuidavam do banho naquela algazarra, onde ele ria e brincava com eles… nilda era responsável pela alimentação. E minha mãe 24h ao seu lado. Qdo ele partiu ficou a saudade e a consciência filial tranquila.
Com minha mãe que ficou acamada apenas 40 dias e não conseguia dormir direito, fizemos a escala para fixar a noite com ela…. meu parceiro era Ivan, meu sobrinho. Como sou dorminhoco, trocava de posto com ele a 1h da manhã. Sinto saudade dos longos papos… soube nesses momentos de muitas histórias familiares que desconhecia. Foram ricas experiências.
Obrigado Prof. Cícera, seu texto me fez lembrar de quando cuidava de minha vozinha. É Bem assim a realidade . Vou compartilhar seu texto com uma amiga que está enfrentado o mesmo problema com a mãe.
E verdade Cicera. Somente quem está dentro do barco, o cuidador , sabe o quanto a cooperação entre a família é necessária.
Alivia a alma e relaxa o corpo que sempre está em movimento.
Muito bom.amiga batalhadora!🙏⚘