É possível tocar as estrelas?

Assim como eu, você pode ser um cuidador chave. Aquela pessoa que tomou para si a responsabilidade de cuidar de alguém da família. E os anos foram passando e passando e, como o arquétipo do cuidador ficou ainda mais refinado, você foi cuidando da pessoa que precisava de cuidados e de todas as pessoas à sua volta.

Em quantas festas ou reuniões familiares você deixou de ir porque estava cuidando. Até chegar um momento, em que os outros deixam de insistir e cobrar a nossa presença.  E quando nos damos conta, mesmo no círculo de amizades somos substituídos. Afinal, a relação de amizade também precisa ser cuidada.

Minha análise vai além do desabafo, pois a experiência de cuidar dos meus pais, de uma certa forma me capacitou para cuidar de meu filho, com compaixão, respeito e amorosidade.

Tive muito ajuda durante esses quase trinta anos. Até porque ninguém consegue cuidar sozinho, por tanto tempo, sem ajuda e sem cuidar um pouco de si.

Por outro lado, no momento atual é como se eu estivesse a brincar de cabo de guerra, com o agravante que, de um lado está meu pai que a cada dia precisa de mais cuidados, pois sua dependência é quase total, e do outro, está meu filho que também precisa de cuidados e fisioterapias para melhorar sua qualidade de vida. E cada vez que pendo para um lado, o outro é prejudicado.

Tenho consciência que a maior perda é do meu filho, pois ele perde o convívio social e, qualquer um que tenha um filho no espectro autista sabe que sua casa não vive cheia de amigos deles, e nem aparece convites de colegas para festas e baladas.

Além disso, após meio século de vida, também preciso me cuidar. Com o intuito de manter minha saúde física, mental, social e espiritual, pois o cuidar constante pode te transformar num ser humano cansativo.

Afinal se você vive cuidando, deixa de sair com os amigos e viver experiências interessantes, para de viajar e estudar, ações que te trazem novos conhecimentos e novas histórias. O outro só irá parar para nos ouvir, quando a história for boa e traz o sentimento de expectativa e alegria.

A experiência me diz que já estou um pouco chata, pois quando não estou cuidando deles estou a participar de reuniões e conferências, visando a melhoria da qualidade de vida, ora da pessoa com deficiência, ora da pessoa idosa.

Estou precisando viajar para conhecer as pirâmides do Egito, voltar à Itália, para mais uma vez visitar as obras de arte, ir para o Japão e passear pelos campos de cerejeiras, ver a aurora boreal, ir para Índia e fazer um retiro espiritual ou ir para a Escócia e, como diz meu amigo James, ter a sensação de que numa noite de inverno é possível tocar as estrelas.

Entretanto já ficaria bem feliz se de vez em quando pudesse ver o pôr do sol no Daveron, às margens do rio Paraguai ou, na terça-feira à noite, ir na praça Cavalhada e tomar uma cerveja com as amigas e talvez fazer aulas de Piano com a Madalena.

Acordei de madrugada e a pergunta é: Como levar meu filho e meu pai amanhã para participar da 2ª Peregrinação de São José, em Lambari D’Oeste, que fica há apenas 90 quilômetros de minha casa?

Como minha irmã Maria do Carmo está viajando, pois foi curtir o aniversário da neta Júlia e os sorrisos e abraços do neto Téo, não tenho com quem deixar meu pai e não posso participar da Peregrinação empurrando uma cadeira de rodas. Seria a melhor solução. Tenho certeza que encontraria pessoas que me ajudariam a empurrar a cadeira, afinal no caminho há duas belas subidas, mas há também um trecho grande, de aproximadamente seis quilômetros sem asfalto, o que inviabilizaria a cadeira.

Preciso ir de carro acompanhando a procissão, pois meu filho pode não dar conta da caminhada e tenho que levar meu pai junto, pois como seu humor oscila muito, torna-se inviável deixa-lo com outra pessoa.  Afinal conviver com uma pessoa agressiva não é fácil. Mesmo sendo o nosso pai.

Pedro está há um ano sonhando com essa procissão. Mas além de toda essa logística, também é necessário ter alguém para cuidar dele, durante a Peregrinação.

Nessa situação fica difícil tocar as estrelas, mas espero que meu filho sinta-se carregado por elas…

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Vera
Vera
10 meses atrás

Adoro seus textos estão cada vez melhor ,compartilhamos juntas o dia a dia do cuidador.. mas fazendo com amor né enquanto isso vamos sonhando com as cerejeiras do Japão…..

Kelem Cristina de Sene Santos
Kelem Cristina de Sene Santos
10 meses atrás

Você sabe que pode contar comigo, ainda que à distância. Sei, por experiência própria, o que é o universo do cuidador, ainda que às vezes preferisse não saber, mas é parte da nossa caminhada e vamos seguindo em frente com todo o amor de que somos portadoras. E por falar em caminhada, na Peregrinação de hoje Pedro já tem companhia, eu…

Rosaria
Rosaria
10 meses atrás

Temos nossos caminhos que em alguns pontos se encontram. Busco nas orações alcançar as estrelas e sentir o perfume das cerejeiras. Vamos com fé. Vc é especial.

Cecília E Dutra
Cecília E Dutra
10 meses atrás

Querida amiga ler seus texto é um grande aprendizado você é uma estrela está brilhando a todo momento através de cada obstáculo vencido Deus está a seu lado te dando muita coragem e fé e sendo essa luz que te ilumina a escrever textos maravilhosos que nos ajuda a refletir muitas situações em nossas vidas gratidão amiga 🙏🌹