Memórias que se vão

Quando somos jovens temos uma memória capaz de reter todos os acontecimentos, depois de uma certa idade começamos a esquecer algumas, como aniversários de amigos, datas de reuniões etc. No entanto, o mais difícil é quando dizemos adeus a alguém que foi importante em nossa vida. Pois, a memória dos bons momentos vividos com aquela pessoa, já não há mais como compartilhar.

Conheci dona Joana, carinhosamente chamada de Joanita, quando mudei para Cáceres para fazer faculdade há 30 anos. Atualmente me sinto uma agregada da família.

Então para não perder algumas memórias, vou registrar aqui três que me são muito caras e raras.

Na época da faculdade, quando eu e Aninha íamos para as festas, eu dormia na casa dela, pois moro num bairro afastado do centro. E ao acordar de manhã sempre tinha pão francês, manteiga e chá. Dona Joanita nunca me deixou vir para minha casa sem tomar café da manhã.

Quando meu filho nasceu e teve sérios problemas de saúde e por um longo tempo minhas dividas não cabiam em seu salário, todas as vezes que eu precisei levar meu filho ao médico, em Cuiabá e não tinha dinheiro para pagar as despesas da viagem, ela me emprestava.

Por último, na época da pandemia, meu filho cheio de saudades dela, o levei para visitá-la. Ela já estava doente. Lembro-me que fiquei na área e da janela observei os dois rezando no quarto. Essa é a memória que não quero perder. Já que dona Joanita fazia exatamente aquilo que alegrava o meu filho. Embora tivesse ciúmes de seus santos, ela sempre permitia que Pedro tocasse nas suas imagens sacras.

Outra lição que podemos aprender com ela, era o otimismo. Nunca reclamava do estado de saúde. Lembro-me que uma vez ela disse que estava tão bem. Que cheguei a pensar que ela tinha sido curada do câncer. Mas, Aninha, sua filha, disse que ela sempre dizia às pessoas que estava bem.

Sábado precisei tomar decisões difíceis, como contar para meu filho que ela tinha morrido, não o levar ao velório, deixá-lo com a vizinha para dar uma passada rápida, onde o corpo estava sendo velado.

No velório, observei a jovem Natalisse com um olhar amoroso para o corpo inerte, que tantas vezes ela ajudou a cuidar e a fazer companhia. Percebi, então, o quanto a relação das duas deve ter sido de troca. Uma com os cuidados e a outra a compartilhar histórias de vida, cheias de superação e aprendizado.

Para não ir ao funeral, Pedro exigiu duas coisas: era para eu consolar a sua madrinha e não a deixar chorar.

Para Aninha não chorar, também não chorei.  Porém, hoje envolvida por tantas boas lembranças, uma suave chuva escapa de meus olhos.

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Maria Rejane de Menezes
Maria Rejane de Menezes
1 ano atrás

Lindas lembranças Cícera…😥

Kelem Cristina de Sene Santos
Kelem Cristina de Sene Santos
1 ano atrás

São essas as lembranças que valem a pena. Que devem ser retidas na memória e, porque não, compartilhadas? Você, ao fazer isso, nos apresenta uma pessoa que foi tão cara em sua vida e, ao mesmo tempo, torna público, talvez até mesmo para a família, o ser tão especial que era d. Joanita.

Zenil Silva
Zenil Silva
11 meses atrás

Dá uma dor no peito essas lembranças da minha mãe, mas elas também me trazem a certeza de que ela foi uma grande mulher, um ser humano generoso que sempre deu as mãos a quem precisava. Obrigada pelo texto e pelo carinho.