Quem lavará os pés do cuidador?

Pergunta esta que eclodiu em minha cabeça nesta quinta-feira, ao anoitecer, enquanto participava de uma cerimônia religiosa de Lava-pés, na Igreja Nossa Senhora do Carmo, no bairro do Junco, Cáceres-MT, com meu filho e outras pessoas que representavam instituições educacionais, de cuidados religiosos, da saúde e da família.

Situação interessante, pois 14 de abril é o dia Nacional de Luta pela Educação Inclusiva, data que me causa uma imensa angústia, por ver o quanto pessoas com deficiência ainda vivem um processo de exclusão, quando muitos profissionais da educação afirmam não saber como trabalhar com elas. O acolher e a convivência com as outras crianças são de grande ajuda para a socialização.

Além da situação de inclusão que já era parte de meus questionamentos do dia, uma amiga do grupo de Autismo  mandou uma foto mostrando seu pé com feridas expostas, o que a está obrigando a usar bengala para conseguir caminhar e a dificuldade de conseguir tratamento adequado para a psoríase e fibromialgia, ambas mais intensas, em virtude do estado emocional em que ela se encontra, pelos cuidados com seu filho autista e a dificuldade em adquirir o medicamento  de alto custo, que ele precisa tomar. Embora ela já tenha entrado na justiça a compra do medicamento não se efetivou ainda.

Ao fazer parte da cerimônia de Lava-pés estava focada em possibilitar ao meu filho sua participação no evento. Mas enquanto observava o padre a repetir a ação de Jesus, que na bíblia está em João, 13 de 1-17, veio a pergunta repetitiva e questionadora: Quem lavará os pés do cuidador, quando este não der mais conta?

No decorrer dos anos também aprendi que em geral os melhores cuidadores no cuidado com o outro, não são bons em cuidarem de si. Por isso, com frequência adoecem.

Sabemos que um cuidado temporário, traz cansaço, mas resolvida a situação a vida volta ao normal. Mas, pais idosos e filhos com deficiências físicas ou mentais serão por toda uma vida.

Então chega o dia que nós cuidadores, também precisaremos ser cuidados. O gesto de Jesus foi simples, mas nem sempre temos facilidade de seguir seus exemplos.

A Campanha da Fraternidade deste ano diz “FRATERNIDADE E EDUCAÇÃO: Fala com sabedoria, ensina com amor”.

Sonho para educadores do mundo inteiro que as ações do dia a dia sejam repletas de alegria e conhecimento e que de seus corações transbordem humildade, simplicidade e amor.

 O viver na paz e na alegria de que tanto Jesus falou e praticou, em nossos dias ainda está em fase de construção.  Acredito que precisamos agir com sabedoria para conquistá-las.

Outra pergunta que também me inquietou foi: Será que as igrejas, os postos de saúde, a Câmara de Vereadores e as outras instituições que deveriam ter esse olhar mais atento para o próximo, conhecem as pessoas da comunidade que neste instante precisam com urgência que, seus pés sejam lavados?

Caro leitor, por algum motivo deixamos de enxergar tudo o que acontece a nossa volta, parece que fazemos uma seleção para o que queremos ver, então a não ser que seja um assunto do nosso interesse, ou algo que já estamos vivenciando, raramente prestamos atenção.

Assim sendo, quero dizer para todas as pessoas que são cuidadoras, que não fiquem esperando que o outro perceba que você está cansado e precisa de descanso.

É necessário dizer com clareza e precisão: Que você está doente e precisa ir ao médico. Que o trabalho triplicou e você precisa de ajuda. Que você está exausto e precisa de um momento de lazer para repor a energia. Que você precisa de um tempo na luta diária para exercitar seu corpo, pois sem massa muscular adequada, você não dará conta de continuar cuidando.

Entendam, nossos filhos e nossos pais merecem uma vida digna, precisam estarem inseridos na sociedade, com direito a cultura e lazer. Torna-se urgente que nossos governantes criem políticas públicas para amenizar o abandono, a deficiência da educação e a precariedade da saúde.

As igrejas, como estão inseridas em espaços menores, conhecem as pessoas da comunidade e suas necessidades. Seus representantes poderiam intermediar uma ampla reflexão junto aos poderes públicos, sobre as reais necessidades de cada local. Mas os poderes públicos também devem escutar o que as pessoas estão pedindo e precisam. Às vezes o que queremos é tão pouco e pode ajudar muitas pessoas.

Entretanto por não nos ouvirem, algumas vezes constroem obras sem utilidade prática. E que não sanam, nem amenizam nossas dores.

4 1 Voto
Article Rating
Subscribe
Notify of
guest
4 Comentários
Oldest
Newest Most Voted
Inline Feedbacks
Ver todos os Comentários
Luciana Jussim
Luciana Jussim
2 anos atrás

E quem mais irá refletir de forma legitimada sobre essa pungente reflexão???

Kelem
Kelem
2 anos atrás

Cícera, como sempre, sendo provocada pelo seu fazer cotidiano, pelas suas vivências como filha daquele a quem hoje dedica seus cuidados e como mãe daquele a quem sempre precisará se dedicar a cuidar e, provocando aqueles que poderiam se dedicar a promover políticas públicas efetivas, reais e/ou aqueles que poderiam ajudar na promoção da real inclusão…