Dia 20 de novembro de 2025 vivi algo que ainda ecoa em mim. Participei do Evento da Consciência Negra em Cáceres, preparado com tanto cuidado pela comissão: Marcela Profeta Ribeiro Pinho, Mirian Paula Profeta Ribeiro, Délia Rojas, Graciele Almeida, Cleusa Cruz Nenes, Fagner Luiz da Silva e Vanessa da Cruz Fonseca que parecia mais um abraço do que uma celebração. Tudo ali era gesto de amor: o café da manhã, o som, o toque, o cheiro, as cores.
Enquanto os biscoitos e o bolo de milho passavam de mão em mão, acompanhados por chá, aloá e sucos variados, ouvi histórias de Vila Bela da Santíssima Trindade — terra onde a ancestralidade africana não é lembrança, mas presença. Falaram da Rainha Tereza de Benguela, narrada por Joãozinho Trinta com tamanha força que, por um instante, pude imaginá-la caminhando entre nós: o turbante na cabeça, o olhar firme, o povo ao redor, a sabedoria no corpo.
Depois veio o chorado. As mulheres dançavam como quem reza com os pés. Havia algo de sagrado naquele movimento lento e forte, um jeito de transformar dor em resistência. Entre as barracas, mãos habilidosas trançavam cabelos e histórias. Aprendi que nas tranças cabiam mapas, sementes, rotas de fuga. Que cada fio era um testemunho da inteligência e da fé de quem sobreviveu.
Quando começou a roda de capoeira, o ar mudou.
Não sei dizer quais instrumentos tocavam — talvez berimbau, talvez só o batuque das mãos —, mas o som reverberava no peito como um segundo coração. O ritmo atravessava o corpo e fazia vibrar algo antigo, difícil de nomear. Era como se o chão também respirasse.
E então veio o cheiro da feijoada, espalhando-se entre mesas e risadas. Crianças brincavam, mulheres circulavam com roupas típicas, e uma senhora chamada Dona Nemézia, ao ajeitar um turbante vermelho na cabeça de uma jovem, disse com voz mansa:
— O turbante é a coroa da mulher negra. Um símbolo de beleza, reconciliação, apoio e valorização.
Foi ali que algo dentro de mim se moveu.
Percebi o quanto esse povo sabe acolher — o cuidado, o respeito, o carinho. O esforço para manter viva cada tradição, cada prato, cada gesto que conta uma história.
E uma pergunta me atravessou, sem aviso:
como nós, por tanto tempo, fomos ensinados a esquecer o que nos faz ser quem somos?
Talvez o que vibrou naquele dia não tenha sido apenas música.
Foi pertencimento.
Foi emoção pura, ancestral, feita de terra, suor e amor.
Mas também foi um grito — silencioso e firme — por dignidade.
Cada gesto, cada canto, cada corpo em movimento lembrava que celebrar é também reivindicar: o direito à educação, à cultura, à igualdade, ao respeito.
Esses direitos não são favores. São fundamentos de justiça.
Não era apenas um evento.
Foi reencontro.
E, também, um ato de resistência.
A memória viva dançando dentro de nós, exigindo ser ouvida.


E como é necessário pertencer… quando esse pertencimento vem junto com o abraço da acolhida, o olhar respeitoso, caloroso, carinhoso, é como se sempre estivéssemos ali…