Quando Ser Para-Raios Não É Virtude

No convite distribuído pela Câmara, prometia-se uma audiência pública sobre dois instrumentos essenciais da gestão:

LOA — Lei Orçamentária Anual, que define onde o município vai aplicar os recursos;
PPA — Plano Plurianual, que estabelece metas e prioridades.

Era isso que a população — e eu, particularmente — esperávamos:
um debate técnico, participativo, transparente, como dizia o texto do convite:

“Sua participação é essencial para garantir que as decisões sobre o futuro de Cáceres reflitam as necessidades da população.”

Mas bastou a reunião começar para percebermos que a pauta não era exatamente o que estava no papel.
A conversa girava em torno de outro tema — a Emenda Impositiva, que permite aos vereadores indicar onde aplicar parte do orçamento.

Até aí, nada de errado em debater o tema — se ele tivesse sido anunciado com clareza.
O problema é a dissonância entre o convite e o espetáculo.
E foi nesse contexto que o presidente da Câmara disse, com solenidade, que os vereadores são “os para-raios da população”.

Pois bem.
Como cidadã, como presidente de conselho e como mãe de um filho com autismo e síndrome doose, tomei nota da metáfora — e confesso: ela é boa. Só não do jeito que ele imaginou.

Porque o para-raios recebe a descarga, mas não transforma nada.
Ele apenas conduz a energia até o chão. Dissipa, neutraliza, impede que algo realmente aconteça.
É exatamente o que temos visto: muitas falas, poucos efeitos.
Absorvem as queixas, ouvem as dores, prometem providências — e tudo se perde no solo da inércia.

Ser “para-raios” soa bonito no microfone, mas é o elogio perfeito para a inação travestida de representação.
Um político-para-raios não constrói, não resolve, não devolve nada.
Só garante que o raio não cause mudança.

E há um detalhe que poucos admitem:
a ausência da população nessas audiências é conveniente.
Porque, se o plenário estivesse cheio — de mães, professores, trabalhadores, pessoas com deficiência — certos discursos exigiriam mais coragem, e certas votações talvez fossem indecentes de sustentar diante do olhar do povo.

Por isso repito: transparência começa no convite.
Se o objetivo era defender a Emenda Impositiva, que se dissesse.
Audiência pública não é teatro, e participação social não é plateia.

LOA e PPA pertencem à cidade — e a cidade não é cenário para metáforas mal escolhidas.
Porque, no fim das contas, enquanto eles jogam com palavras, nós — mães, conselheiros, cidadãos — continuamos a sentir o raio na pele.

No fim das contas, talvez o problema não sejam os para-raios — mas quem insiste em acreditar que o trovão não tem dono. Porque o raio, o som e o silêncio das urnas continuam nas mesmas mãos: as nossas. E cada voto é, de certa forma, um relâmpago — breve, mas capaz de iluminar toda a cidade.

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Ana
Ana
1 hora atrás

Ficou maravilhosa a sua escrita, muito bem colocada as suas palavras …