Quando Pedro dança, algo raro acontece.
É como se o corpo, que por tanto tempo foi campo de batalha, se tornasse palco.
Há épocas em que Pedro fala com os braços — não por metáfora, mas por instinto. Quando está nervoso, leva o braço direito à boca e morde com força. A pele, naquele ponto, ficou mais escura, mais espessa. Como se dissesse, em silêncio: aqui mora a tensão.
Nos dias difíceis, seus braços são como asas desgovernadas: copos, vasos, até uma televisão já cederam ao impulso. Nessas horas, o mundo parece pequeno demais para o corpo dele.
Por isso, quando Pedro dança, é mais do que movimento. É cura.
A primeira vez foi no casamento da madrinha. Mais do que a cerimônia, foi o processo: entregar convites, ensaiar, escolher a roupa. Pela primeira vez, Pedro não era espectador — era parte da festa. E naquele dia, vestido de pajem, dançou. Dançou com o corpo tranquilo, como quem diz: “aqui eu posso ser.”
A segunda dança veio aos 17. Quis ser Michael Jackson. Ensaiou com dois ex-alunos meus, buscou figurino, praticou com empenho. E no dia, ao seu tempo, brilhou. Dançou como quem se revela. Estava tão bem que os medicamentos foram suspensos. A dança foi o diagnóstico: algo nele estava em harmonia.
Depois, o silêncio. A pandemia impôs pausa ao mundo e também ao corpo dele. A dança recolheu-se.
Há pouco notei: o braço está mais claro. A pele voltou a suavizar. Ele quase não morde mais.
E sábado passado, no aniversário da Emilly, com música ao vivo, morros ao redor e família que acolhe e pratica inclusão. Pedro dançou com todos. Não esperou convite: construiu o seu lugar no círculo. Paulinho cedia as parceiras com riso, e Pedro ria junto. Os braços, antes desajeitados, agora desenhavam no ar uma alegria exata. Com leveza e presença.
Dançou como quem sabe: não precisa mais se ferir para ser ouvido.
Três danças em 22 anos. Três momentos em que Pedro foi pleno. E o que mais me comove não é o movimento em si — é o que ele revela: quando Pedro dança, é porque o mundo, dentro e fora, está em paz.
Que possamos aprender a reconhecer os nossos próprios sinais de equilíbrio. E, como Pedro, quando for tempo — que a gente também dance.


Dançar é viver. Que Pedro possa seguir dançando…