Uma Fissura no Muro do Silenciamento

Demorei para escrever este texto.
E não foi por falta de palavras. Foi por excesso de sentimento.
Porque algumas conquistas a gente precisa primeiro viver por dentro… até conseguir transformá-las em frase.

O livro “Autismo: Uma Jornada de Conscientização” foi lançado.
E ele chegou ocupando espaço.
Ganhou prateleiras, apareceu na lista da Veja como um dos dez livros de não ficção mais vendidos do país e entrou para os destaques da PublishNews.

O melhor de tudo?
Saber que, no meio de tantos profissionais incríveis — neurologistas, psicólogos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas — que dedicam suas carreiras a transformar a vida de quem está no espectro autista…
Lá estou eu.

Uma mãe.
Com a bagagem de quem vive tudo isso na pele, no corpo e na rotina.

Falar do autismo a partir do lugar de quem cuida, de quem sente na alma o impacto de cada diagnóstico, cada ausência de política pública, cada olhar atravessado.

No meu capítulo, falei sobre o silêncio.
E mais do que isso: sobre o silenciamento.

O silenciamento a que somos submetidas em todas as instâncias da vida:
na escola, nos serviços de saúde, nas políticas públicas, nas conversas de família, nas reuniões que decidem sem nos escutar.

Foram dez meses de esforço.
Boletos, renúncias, contas que precisei equilibrar.

O tempo eu roubava das madrugadas.
O que faltava mesmo era dinheiro — porque o salário de uma professora aposentada pelo Estado, infelizmente, não cobre sonhos.

Mas fui em frente.
Linha por linha, palavra por palavra.
Porque algumas histórias não podem mais caber apenas dentro da gente.

E agora, ver esse livro se transformar num best-seller…
Ah…
É como abrir uma fresta no muro da invisibilidade e sentir o ar entrar de um jeito novo.

É como gritar silenciosamente para o mundo:
“Nós também estamos aqui.”

Não sou a Moça Tecelã de Marina Colasanti — aquela que tecia o próprio destino fio por fio…
Mas, de algum modo, também teci.
Teço.
E seguirei tecendo.

Teço com o desejo de que outras mães, ao abrirem essas páginas, encontrem um pedacinho delas ali.
Que se reconheçam.
Que sintam o alívio de saber que não estão sozinhas nessa travessia cheia de silêncios — mas também de pequenas e grandes vitórias.

Esse livro é só uma parte da caminhada.
Mas que parte bonita ela é!
Uma trama de muitas vozes, muitos olhares, muitas mãos — todas unidas pela vontade de construir um mundo um pouco mais consciente, mais justo, mais atento.

E se um dia você quiser entender o que é viver o autismo do lado de cá…
As páginas já estão abertas.
Esperando por quem tiver coragem, empatia e coração para atravessá-las.

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Kelem Cristina de Sene Santos
Kelem Cristina de Sene Santos
10 dias atrás

Que você siga tecendo seu caminho e o de Pedro, construindo a cada ponto, uma nova trama de empatia e acolhimento.

REJANE
REJANE
10 dias atrás

Imensamente feliz por vcs!!!

Profedir
Profedir
10 dias atrás

Parabéns prof. Cícera por tranformar os espinhos de sua vida em flores para os leitores..
Que seja todos abençoados com as orientações de sua experiência.

Profedir
Profedir
Responder a  Profedir
10 dias atrás

Não entenda os espinhos (Como sendo seu filho) mas sim as barreiras que a própria sociedade impões a vida de quem é diferente da maioria.

Rosemeire Barbosa
Rosemeire Barbosa
10 dias atrás

Palavras me faltam pra descrever o quão grandiosa vc está. Magnífica em cada palavra. Vc nos representa, nos motiva, nos enche de orgulho, faz do seu jeitinho menina, moça, mulher a transcrição da vida em palavras. Parabéns… Honrada e feliz pelas suas conquistas. Que muitas outras venham com a benção do nosso Deus!

Ruth Lifschits
8 dias atrás

Cícera, que maravilha teres conseguido publicar o livro – importante, único. O que escreveste sobre ele comove e dá uma pequena dimensão da forte guerreira que és. Te admiro muito, muito mesmo. Parabéns!