A gente acorda sem pressa. Sem despertador, sem horário, sem aquele barulho do portão para tirar o carro. Isso ficou no passado, junto com a mochila pendurada atrás da porta e os cadernos que nunca se encheram de verdade.
Pedro Henrique abre os olhos e já lança a pergunta que nunca falha:
— “Mãe… vamos sair?”
Todo dia.
Sem falhar um.
E quase todo dia a resposta pesa mais do que eu gostaria:
— “Hoje não, filho.”
A verdade é que ficamos, sim, a maior parte do tempo em casa.
Ele circula pela sala, passa pela cozinha, abre e fecha a geladeira — como quem procura alguma coisa que nem sabe o que é. Escolhe um filme, ri sozinho, brinca com o cachorro, assisti uma missa na TV, comenta, fala alto, responde aos próprios pensamentos.
De vez em quando me olha de canto, como quem mede se, por acaso, eu mudei de ideia:
— “Mãe… e se a gente fosse agora?”
Quando dá, a gente vai.
Pra igreja, no fim de semana.
Pra uma reza, na casa de algum amigo.
Ao cinema, de vez em quando.
Pra algum encontro onde ele sabe que pode ir comigo, ficar no meio das minhas amigas, puxar conversa, escolher onde senta, decidir se quer ou não quer estar.
Às vezes ele escolhe até com quem quer sair. E se não quer, não tem quem o convença.
Com sorte — e é sorte mesmo — aparece uma festa de aniversário. Raro. Tão raro que parece até sonho. E, quando acontece, ele vibra. Porque é novidade. É gente. É vida acontecendo… do lado de fora
Ultimamente, tem um pedido novo.
Um desejo que aparece todos os dias, com a mesma insistência de quem pede pão quente na padaria:
— “Mãe… eu quero ir pra faculdade.”
E como é que explica pra ele que não tem caminho?
Que as portas não foram abertas lá atrás?
Que a tal inclusão, que tanto prometeram, ficou no papel?
Ele não quer ficar em casa.
Não quer só rodar pela sala, pela cozinha, pela varanda.
Quer viver. Como qualquer outro ser humano.
Mas, quase sempre, quem está no espectro, ou carrega qualquer outra deficiência, sabe bem como é:
ficar no meio-fio da vida social, vendo o mundo passar… sem ser chamado pra atravessar.
O resto dos dias?
Somos nós dois.
Ele me chamando pra sair.
E eu tentando encontrar respostas pra uma pergunta que nunca muda:
— “Pra onde, filho? Pra onde, se não há pra onde ir?”
Então faço café.
Dobro roupa que nem estava desdobrada.
Arrumo gavetas que nem precisavam.
E sigo.
Porque, depois da escola, o que ficou… foi o meio-fio.
Que realidade injusta! Não posso imaginar como é difícil, minha amiga! Minha solidariedade! Que nós enquanto sociedade possamos encontrar os caminhos para uma justiça social, uma inclusão efetiva o quanto antes!!!
Bem isso, teu olhar sempre certeiro!
O problema é que as crianças crescem e o poder público esquece que a vida continua e as necessidades aumentam.
O meio fio tem as mesmaa características, em localizações diferentes.