Pequenas ou grandes coisas?!

Atravessar uma sala se torna demasiadamente longa a distância. Caminhar da cama até o sofá da sala, às vezes é um percurso tão distante que o idoso opta por ficar deitado; ou se está sentado no sofá, prefere tirar um cochilo ali mesmo para não fazer o percurso de volta, pela dificuldade de locomoção de um canto a outro, para se equilibrar e para mudar o passo de lugar.

Às vezes ele não gosta de usar o andador e nós, enquanto cuidadores, não podemos lhes oferecer uma bengala. Pois iríamos levar bengaladas, com frequência.

Quem tem um idoso em casa, certamente já vivenciou a situação de estar com pressa, porém incapaz de se locomover. Ora por um corredor estreito, ou por localização de moveis. Esperamos que em seu lento caminhar ele termine o trajeto começado.

Outro lugar de controversa é o banheiro; você coloca barras para que ele possa se segurar. Coloca a cadeira ao lado da barra para ele segurar e conseguir ficar de pé. E você pede, por favor, “segura na barra para levantar.” E a pessoa continua te olhando, como se o comando recebido não fizesse o menor sentido.

Ou na hora do banho quando eles se recusam a entrar embaixo do chuveiro. Se você é cuidador também sabe que acertar a temperatura é algo quase impossível. Ora está muito quente, ora está muito frio. Situação causada em virtude da pele sensível, e às vezes o cair da água do chuveiro os fazem sentir dor.

Outra hora memorável são as refeições, imagina se sua mãe que cozinhava todos os dias, por motivo de saúde deixa de cozinhar, você não tem muita prática na cozinha, teve outros compromissos e chegou um pouco atrasada para fazer o almoço de domingo. Uma sagrada galinha caipira com arroz. E para azar seu a galinha é velha e demora amolecer. Você coloca o almoço na mesa às 14 horas, para alguém que está acostumado a ter o almoço na mesa às 11 horas, no máximo meio dia.

Mas há uma situação vivenciada por muitos, mas contada por poucos. É aqueles momentos em que nossos pais, ora por excesso de dor e desconforto, ora porque o autoritarismo ainda corre forte em suas veias e, nós como o adulto lúcido do momento, precisamos lhes dizer não. E eles contrariados nos expulsam de suas casas.  Sabemos que cinco minutos depois eles nos chamarão de volta. Entretanto, para não os desautorizar ainda mais, vamos embora. Quando voltamos mesmo estando ainda chateados, agimos com naturalidade.

O ato de cuidar exige de nós lucidez e sabedoria, para que os momentos de conflitos sejam transformados em aprendizagens. Que só acontecem quando as relações são estabelecidas com amor, respeito e compaixão.

Quando a pessoa já está numa idade avançada e não consegue mais falar, e você acaricia seu braço e diz: “estou aqui pai” ou “estou aqui mãe,” torcendo para que mesmo que ele ou ela já não saiba quem você é, possa reconhecer o seu toque. Talvez ele ou ela abra os olhos e lhe de um sorriso.

É difícil ser mãe do pai ou da mãe, porque a gente lembra que eles sempre nos deram colo. Nós oferecemos o nosso. Mas há momentos, que queremos colo.  Por isso, volto a reiterar “nós cuidadores também precisamos ser cuidados”.

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Jane Josefa
Jane Josefa
2 anos atrás

Parabéns. Texto muito rico em detalhes. Temos que buscar forças e nos lembrar que um dia eles fizeram muito por nós. Resiliência é a palavra que devemos praticar.

Flávio Nerva
Flávio Nerva
2 anos atrás

Lucidez, equilíbrio, amor, …, uma grande missão❗️Compartilhar as dores é ser forte para transformar. Parabéns por mais um texto de luz❗️

Kelem Cristina de Sene Santos
Kelem Cristina de Sene Santos
2 anos atrás

Sou suspeita ao falar sobre seu texto, pois estamos na vida uma da outra a tanto tempo, que muitas coisas já se confundem em nossas vidas. Um exemplo disso é a condição de cuidadora, ressalvando que eu não sou cuidadora oficial (sou mais uma colaboradora do meu pai, esse sim sempre presente), ao passo que você lida com todos esses pormenores, percalços e tantas outras dificuldades cotidianamente. Só posso oferecer os meus ouvidos, ainda que à distância… que continuemos a conversar e a trocar nosso apoio. Parabéns pela lucidez e pela ternura do seu falar. É a voz que muitos não têm…