No Natal,
as pessoas falam mais baixo,
sorriem sem motivo,
dizem “Feliz Natal”
como quem oferece café.
Eu também tento.
Mas hoje cedo
esqueci uma etiqueta
na roupa nova.
Era pequena, branca,
quase invisível.
Ele sentiu.
Tentou arrancar com as unhas,
depois com os dentes,
depois com o choro
que rasga o tecido
e o dia.
A camisa não sobreviveu.
Nem o plano.
Respirei fundo,
como quem reza.
No Natal,
combinados gostam de mudar.
“Só hoje.”
“É rapidinho.”
Mas o caminho da escola
é sempre o mesmo
por um motivo
que não cabe em explicação.
Quando virei à direita
em vez da esquerda,
o mundo saiu do lugar.
E aprendi, mais uma vez,
que previsibilidade
também é amor.
A fome chegou sem aviso,
veio disfarçada de irritação,
de mãos no ouvido,
de um não sem causa.
Contei os minutos,
os lanches,
os horários —
como quem decifra
um código antigo.
O som da festa aumentava:
talheres, risos, música.
Alguém disse:
“é só barulho.”
Mas não era.
Era excesso.
Era o mundo
falando alto demais.
No Natal,
todos parecem mais gentis.
Talvez por isso
ninguém perceba
o cansaço que carrego no colo
junto com as sacolas.
Não peço milagre.
Nem explicação.
Se quiserem me dar um presente,
que seja simples:
uma vaga perto da entrada,
um pouco de silêncio,
um pouco de tempo,
um pouco de cuidado repartido.
Isso, sim,
é paz.
P.S. Eu só queria que meu filho falasse.

