Não nos tornamos cuidadores, todos somos cuidadores.
Não tive filhos e apenas experimentei cuidar de mim.
Aprendi tarde o que era realmente ser cuidador quando o meu pai começou a ter todos os sintomas de Alzheimer e a minha mãe tinha, fazia tempo, dificuldades motoras e respiratórias. Até ali, o meu apoio era à distância pois vivi muitos anos fora de Portugal. Quando o meu pai começou a precisar de cadeira de rodas comecei a perceber que tinha de dar mais atenção e vim para Portugal. Foi a altura da reunião com os meus irmãos pois havia necessidade de distribuir tarefas inerentes às idas ao médico, ao hospital etc. Sendo 3 foi uma distribuição confortável.
As necessidades de alguém que andando numa cadeira de rodas e começava a não conseguir fazer algumas atividades básicas, dentro de uma casa não preparada, empurraram-me para a procura de apoios institucionais. Dei graças a Deus pela existência dos serviços de apoio domiciliário, dos Centros Paroquiais da zona de residência e da SSP- Segurança Social Portuguesa com preços calculados em função do valor das pensões de velhice e que me serviram de grande ajuda até ao falecimento do meu pai.
Percebi que um cuidador cuida mesmo à distância pois gerir o funcionamento dos serviços de apoio numa casa com a alimentação, higiene própria e da casa, tratamento das roupas próprias e de casa não é fácil e quem se propõe a fazê-lo tem de prescindir de 60% da sua vida, distribuídos pelas 24 horas do dia.
Com o falecimento do meu pai, assumi a meu cargo cuidar da minha mãe pois mesmo se houvesse a capacidade financeira para a manter na casa de família com todos os apoios necessários ao conforto da sua vida, eu nunca aceitaria que ela ficasse sozinha ou, em último caso, fosse para uma Instituição Sénior. Mudar as minhas rotinas e preparar a casa para acomodar parte da dela de modo a manter as suas referências afetivas, foi obra para 3 meses.
Percebi que quem escolhe ser cuidador, de pai e mãe, tem de abdicar de quase toda a sua vida pessoal e profissional com ou sem rendimentos que suportem essa escolha.
Ao ter quase deixado de trabalhar e sem apoios monetários que sustentassem o facto de eu trabalhar por conta própria, não termos um rendimento que permitisse viver desafogadamente e os meus irmãos terem de sustentar as suas famílias vivendo dos seus empregos, foi altamente penoso para mim. Também, quando um membro da família assume o cuidar do pai ou mãe a tendência é para os restantes ficarem descansados, esquecendo por vezes que quem cuida precisa ser cuidado. Tem direito a tempo seu para repor as forças e se equilibrar emocionalmente.
Foram 10 anos em que a minha vida e o meu trabalho ficaram em suspenso porque quem cuida de quem depende de nós, tem de o fazer 24 sobre 24 horas e à medida que o tempo vai passando e a dependência física e emocional aumenta mais o tempo não é nosso, mas de quem cuidamos.
Percebi que cuidar é algo mais do que tratar do corpo é, também e muito mais, cuidar da emoção… do Amor…
Sem amor não se cuida, mas sem dinheiro e sem o suporte dos irmãos, apesar de se amar, não se pode cuidar.
Agora, já partiram os dois e sei que lhes retribui o amor que me deram…
Aprendi a cuidar com amor incondicional e percebi que cuidadores somos todos…
Em 2020 alguns deputados conseguiram que, após demasiados anos de luta, fosse aprovado no Parlamento Português um “salário” apoio estatal para o cuidador informal. Este reconhecimento, num país de grandes desigualdades sociais, veio ajudar muitas pessoas, proporcionando-lhes uma melhoria de vida na sua escolha de cuidadores informais…
Para mim e todos os que viveram esta experiência desamparados, veio tarde… Mas, veio!
Fernanda das Neves
www.artessencia.pt
Que linda história com cores de coragem, resiliência, paciência, mas principalmente, das mais belas cores do amor 👏👏👏🙏
Maravilhoso, Fernanda, parabéns pelo texto, parabéns pela escolha de cuidar do seu pai, lindo, bjs
Grata a todos pelo carinho e à Cícera por ter tido a coragem de fazer deste assunto, tão importante para todos, a sua missão. Que a contribuição de todos nós possa fazer este blog chegar a quem tudo pode solucionar…
Fernanda eu que agradeço por sua gentileza de compartilhar sua experiência em cuidar. Mostrar que devemos buscar ajuda das instituições. Que o amor deve permear o cuidado, mas o financeiro também é essencial. Aqui no Brasil, também temos muita dificuldade com os tratamentos de saúde e realmente precisamos alcançar as pessoas que podem decidir.
Quando afirma que mal aprendeu a cuidar de si e já teve que abdicar de si para cuidar de seus pais, dá a dimensão do tamanho dessa opção (sem opção) com que muitos se deparam quando é preciso cuidar do outro e não há muitas pessoas que queiram dividir esse cuidar. Outra questão que há muito forte em seu texto é o desamparo financeiro de muitos cuidadores e daqueles de quem cuida. Parabéns ao seu País por ter sido despertado para essa necessidade. Apenas sonho com o momento em que isso vire realidade no Brasil. Parabéns pela coragem, pela força, pela dedicação. Sei o quanto isso impacta na vida de quem cuida, mas percebo também o impacto na vida de quem é cuidado.