Com atenção plena, respeito e amor. Pare um minuto e pense, se você estivesse nessas mesmas condições, como gostaria de ser tratado(a)?
Ao longo dos anos o cuidar de meu pai teve diferentes fases. Uma das primeiras ações que ele deixou de fazer foi a barba. De início o levei ao barbeiro do bairro. Mas ele saía de lá super bravo, porque segundo ele estava malfeita, para acabar com o conflito, passei a fazer sua barba.
Tinha dificuldade para que o bigode ficasse do jeito que ele sempre tinha usado por mais de meio século de vida. A alternativa foi convencê-lo de parar de usar o bigode. Confesso que foi uma longa fase de negociação.
Com o passar do tempo suas habilidades de locomoção também diminuíram. Até que chegou o momento que ele começou a precisar de ajuda para tomar banho. De início não foi fácil.
Mas quando ele esqueceu qual a utilidade do vaso sanitário, foi puxado.
Para ele circular pela casa, é preciso segurar sua mão. Pois, ele se recusou a usar o andador.
Eu, enquanto filha, recusei a possibilidade de lhe ofertar uma bengala, pois caso tivesse uma, todos nós que convivemos com ele levaríamos bengaladas. E, meu pai tem uma força, que é desproporcional, ao seu corpo fragilizado.
No início do ano ele teve uma fase bem debilitada, então providenciamos cadeira de banho e cadeira de rodas.
A cadeira de rodas ele se recusou a usar. A de banho percebi que se caso ele usasse, ficaria com as mãos livres e assim poderíamos levar alguns tapas. Então enquanto ele deu conta de permanecer de pé segurando na barra. Essa foi a melhor forma para o banho acontecer.
Entretanto a semana passada, esse quadro mudou. A distancia do quarto a sala, tornou-se intransponível sem a cadeira de rodas. E o uso da cadeira de banho tornou-se necessário. Na hora de sentar ou sair da cadeira é bem difícil. Pois ele sempre acha que vai cair.
Quanto mais uma pessoa fica debilitada, mais os cuidados se intensificam. E nesse momento em que o calor está intenso aqui em Mato Grosso, a atenção precisa ser redobrada para que o idoso tome água o suficiente para ficar com o corpo hidratado, pois em geral eles não gostam de tomar água e passam a ter dificuldade de engolir.
Nesses últimos dias, meu pai recusou todos os alimentos sólidos, está apenas no liquido. Até o mingau de aveia que era algo da sua rotina matinal, ele não quer mais.
Porém a experiência mais impactante de todas foi o momento em que ele não conseguia mais pegar o copo com água e levá-lo a boca.
Eis a presença da finitude da vida em pequenos gestos.
E de repente, trinta, vinte, dez centímetros, ele já não é mais capaz de vencer.
Ao ver a vida se dissipar lentamente do corpo, de meu pai, compreendo que a finitude da vida pode chegar de forma tranquila e harmoniosa. É reconfortante.
Portanto, se você ainda consegue andar, realiza sua higiene pessoal e consegue pegar o alimento na quantidade que quiser e levá-lo a boca, está proibido(a) de reclamar.
Celebre a vida, com tudo o que é possível realizar. Viva intensamente cada minuto!
Parabéns amiga você sempre me surpreende. Realmente não é confortável ver nossos amados passar por certas situações. Por mais amor e carinho que possamos ter com eles não é fácil. Deus nos abençoe para que qdo formos chegar nessa fase da vida vamos embora mansinho e devagarinho como o sol se pondo
Texto lindo e verdadeiro, Cicera.
Escreve porque vc vive isso, conhece as fases e os acontecimentos de cada uma delas.
A finitude, começa, já, muito antes e nem notamos a presença dela, no início.
Difícil é quando sentimos que a vida das pessoas que amamos é como se fosse um líquido que passasse pelo vão dos dedos. Vagarosamente, sedosamente. Pouco sentimos no início, depois chegamos ao “buraco negro” e sentimos que nossa referência de vida está ali, a nossa frente e não nos reconhece mais. Não sabe quem somos. Aí nosso coração sente que precisa amar em dobro.
Parabéns Cicera. Vc tem a capacidade de escrever uma das maiores dores da vida, com suavidade, com poesia.
Parabéns!!! Tem minha admiração e respeito
Abrs
Sim, a finitude nos lembra que devemos apreciar cada momento com nossos idosos, não como um fardo e sim como uma forma de preparar o nosso psicológico para a partida. Lindo texto, Cícera. Parabéns ❤️
Parabéns por dedicar parte da vida para cuidar, imagino que além do cansaço físico o psicológico ainda é pior.