O cuidar e a teoria de desenvolvimento de Winnicott

Há longo tempo ouço e observo histórias de quem exerce essa função de cuidar do outro. Eu própria a exerço há longa data. Nessas conversas, sempre ficou muito claro para mim, a necessidade de também sermos cuidados

 Todo ser humano tem necessidade de ser ouvido. Quando envelhecemos, embora a gente tenha muita experiência, ninguém quer nos ouvir. Em muitos casos, os jovens acreditam que as respostas do Google são mais confiáveis. Eles não ouvem os idosos. Imagina um adolescente, que os consideram, sem noção.

 De uma certa forma ao sermos cuidadores, também passamos a fazer parte de uma classe de excluídos.  Nos tornamos chatos, pois não participamos das baladas, podemos não nos interessarmos mais em saber quem é o melhor jogador de futebol, qual ator ou atriz estão fazendo sucesso no momento.

Fico pensando quantas vezes fui inconveniente, ora falando das limitações de meu pai de locomoção e para se expressar, por não conseguir falar. Ora de meu filho e suas dificuldades de aprendizagem e socialização.

 Quem pode se interessar por esses tipos de assuntos. Alguns irmãos, irmãs, sobrinhos, primos, amigos verdadeiros. Mas principalmente, pessoas que vivam experiências semelhantes.

Pessoas que sintam a mesma dor e vivam situações idênticas. Ou seja, outros cuidadores como você, muitas vezes, temos consciência que os melhores anos de nossas vidas estão escorrendo por nossas mãos e não conseguimos agarrá-los, segurá-los. Primeiro, porque não aprendemos a cuidar de nós mesmos. Segundo, porque para o outro que precisa de nós, significa sobreviver, e receber as condições mínimas para continuar a ser tratado como ser humano.

Momentos há, que somos os olhos, pelos quais o outro tem um pequeno vislumbre sobre o mundo. Ou a voz que expressa com imperfeição aquilo que o outro falou através do seu silêncio. Os pés que permitem ao outro sair do lugar, ter um pouco de movimento. As mãos que colaboram para o outro saber o sabor da água e gosto do alimento. Às mãos que possibilitam que seus corpos experimentem a sensação de um bom banho e o aconchego e carinho que roupas macias e limpas oferecem ao corpo.

Mas todas essas ações também exaurem nossas forças e energias.

O aprender a cuidar da gente, demanda tempo. Às vezes, quando acontece já acumulamos algumas doenças e estamos em total esgotamento tanto físico, quando mental.

Então, nesse momento precisamos ser cuidados, também queremos ser confortados ora com palavras, ora com abraços que fortaleçam nossas almas. Esmagadas dilaceradas, por horas, dias, semanas, meses e anos de cuidados com os outros.

A teoria de Winnicott é um acalanto para nossas almas de cuidadores. Ele diz que: quando o bebê nasce, ele precisa ser cuidado, a mãe é a cuidadora que está tão envolvida com o bebê que chega a adivinhar quais são suas necessidades e o pai representa o protetor/provedor que cria condições para a mãe cuidar do bebê em tempo integral.

Imaginem dois círculos, um maior representado pelo pai que dá suporte e sustentação para a mãe e um círculo menor representado pela mãe que cuida, ama e advinha, todas as necessidades do bebê e se sente cuidada por ele.

 Esses papéis ao longo da vida: bebê, mãe e pai passam a ser exercidos por outras pessoas em diferentes esferas sociais. E quando somos adultos, constantemente trocamos de papéis. Ora mãe, ora pai, ora bebê. Pois também precisamos ser cuidados.

É sobre esse direito de ser cuidado, de receber um olhar mais humanizado e refletir sobre as diferentes maneiras que cada um encontra para se fortalecer e continuar a caminhada. Que convido vocês leitores para refletirmos sobre como podemos construir políticas públicas mais humanizada, para o cuidador?

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Kelem Cristina de Sene Santos
Kelem Cristina de Sene Santos
3 anos atrás

Essa é uma necessidade tão presente na vida de quem cuida: a de também ser cuidado, de ter uma conversa que não gire em torno do outro, de um abraço desavisado… no entanto estamos o tempo todo tão entranhados das necessidades alheias, que mesmo sem perceber nos pegamos discutindo exatamente essas necessidades…
Como discutir um filme? Um livro? Um passeio? Se mal encostamos neles e já surge uma urgência, uma necessidade a ser atendida?
Faz falta na rotina de quem cuida, o espaço pra também cuidar de si e isso não é mimimi como querem muitos!